O caminho para 2020

Imagem de uma paisagem com um rio e uma ponte.

Numa doce disposição, já não muito cedo e como se ninguém estivesse a observar e num silêncio nunca tão quieto, partilho convosco o maior desafio de 2019, que este ano não foi uma cor.
O maior desafio de 2019 foi uma peregrinação.

De Fátima, a cidade da paz, alguém me disse para acreditar em melhores dias. E, por isto, há uma história para contar.

#acreditar

 Apesar de não ser composto por trilhas difíceis, a extensão do caminho é suficiente para que seja necessária uma boa preparação física e um bom planeamento em relação ao equipamento.

Este ano, em meados de Junho, fui desafiada a fazer uma peregrinação a Santiago de Compostela.

Desde que o projecto Treze Adereços Religiosos aconteceu que conheço em mim uma – quase – necessidade de perceber e sentir melhor o que é isto de peregrinar.

Esta peregrinação existiu – fi-la em Outubro – e foi um delírio! Bem vistas as coisas, foram alguns meses a desejá-la e alguns dias depois estou a passá-la para o “papel”. 
Espero que a leitura vos leve além e que se consiga, aqui, arte na escrita. Farão parte desta narrativa também algumas fotografias captadas por mim.

Foi uma peregrinação de 6 dias que passou por vários lugares: Tui, Porrino, Arcade, Pontevedra, Caldas de Reis, Crucces e Santiago de Compostela.
Toda com um orçamento insignificante dada a ambição desta aventura.

A ideia foi aproveitar o essencial, no fundo tentar a abstracção e a meditação e, fazer com que fosse sentida a verdade.
Sabe-se que quem entra nesta aventura, ou numa aventura assim, procura a simplicidade.

De um dia que esperei bom estava, por fim, a viajar para o meu primeiro caminho rumo a Santiago de Compostela.
De mochila pronta, levei no coração quem me desafiou e ao meu lado quem aceitou fazê-lo também.
Finalmente estava a dizer: “estou a fazê-lo!”.

Há muitas razões diferentes para visitar a cidade galega de Santiago de Compostela, desde ver a sua magnífica catedral até assistir à chegada dos peregrinos a completarem o caminho de Santiago.

As razões que me levaram a este caminho, além das pessoais, foram sem dúvida as experiências relatadas por outros e, também as profissionais: ser fundadora e empreendedora de um projecto como a Treze Adereços Religiosos traz-me diariamente uma busca quase sem fim por estas informações “divinas” e por estes comportamentos realizados por devotos de uma dada religião a um lugar considerado sagrado por essa mesma religião.

Sou de Fátima, sempre vivi em Fátima e esta é a minha realidade, e que muitas vezes me leva a ser completamente indiferente a estes costumes.

Mas agora, claro que, e apesar deste meu comportamento, não deixo de querer sentir o que é, para mim, necessário para fazer o meu update a este universo.
E não precisei de fazer o caminho inteiro para começar a perceber como é.

Ouvir acenos de “buen camino” ao longo do caminho e sentir a forte camaradagem de outros peregrinos é uma experiência emocionante, forte e humilde.

Por tradição, conhecemos  as peregrinações a Fátima como sendo peregrinações de sacrifício, penitência e muito focadas no objectivo final, que é a chegada junto a Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Já o caminho de Santiago de Compostela é designado pela busca espiritual, cultural, religiosa ou apenas pela vontade de superar este desafio.

O caminho português de Santiago, também conhecido por caminho português central, é o 2º itinerário mais utilizado pelos peregrinos até ao apóstolo São Tiago (o 1º é o francês). Está marcado desde Lisboa, mas foi a partir de Valença do Minho que iniciei o meu (124 kms até Santiago). A Compostela é entregue apenas a quem cumpra pelo menos 100 kms a pé e com 2 carimbos na credencial (no mínimo 2 por dia). O caminho está bem marcado e basta seguir as setas amarelas.

Etapa 1: Tui – Porriño 17 kms

Entrei na Galiza pela ponte internacional que liga Valença a Tui. Adentro pelo centro histórico de Tui rapidamente cheguei ao albergue de peregrinos, na rua Párroco Rodriguez Vásquez.
Como cenário, um desenho urbano medieval presidido pelo romântico e pelo gótico da Catedral de Santa Maria, é a fotografia que marca também as primeiras fotografias digitais e bonitas que revelo com o meu olhar analógico. O meu primeiro almoço-reforço foi numa associação de festas, onde claramente se esperava por uma tarde animada de futebol, o meu primeiro carimbo em caminhada e os restantes 116 kms.
Já em Porriño, uma importante cidade industrial, animam-me uns jovens com um duelo de hip-hop à chegada. Fiquei alojada no albergue municipal, com uma decoração a fazer lembrar os anos 80, onde jantei um frango de churrasco comprado numa padaria local.

Etapa 2: Porriño – Arcade 24 kms

De Porriño a ideia era chegar a Redondela mas decidiu-se dar mais um pézinho de marcha e chegar até Arcade. Apesar da primeira chuva que se fez sentir não foi isso que impediu continuar. “Sín dolor no hay glória.” lê-se num muro que nos indica a direcção a tomar. Foi o primeiro dia de chuva, o primeiro dia em que se usou a capa da mochila, e a minha vinha trocada da loja, pequena demais. Valeu-me uma loja de souvenirs que se encontrou aquando a passagem por Mos. Embora tenha solucionado este problema, à conta dele ganhei outro para a etapa 3.
Em Arcade, dormi num albergue privado, estilo hostel, e jantou-se o que se encontrou: umas sandes gigantes! 
Nesta etapa apercebi-me do peso da bagagem. E não me refiro ao peso da mochila.

Etapa 2: Porriño – Arcade 24kms
Sín dolor no hay glória.” lê-se num muro que nos indica a direcção a tomar. 
Etapa 3: Arcade – Pontevedra 11 kms

A etapa mais pequena: a capa da mochila era pequena demais, certo? Por ser demasiado pequena forçou um ferro da mochila e torceu-o: o que resultou numa pressão contra as minhas costas, a apertar-me as costelas e o pulmão esquerdo. Ao fim de uns kilómetros tinha dificuldade em respirar fundo. Este episódio trouxe alguns nervos e irritação e reflectiu-se numa dor no ombro esquerdo que me fez ceder a este dia, ficando por uma etapa mais pequena e em Pontevedra. 
Aqui, encontrei e conheci o João (salvo erro. Li o nome dele num artigo de jornal cuja folha da reportagem está afixada numa coluna de pedra no albergue de Pontevedra). Osteopata voluntário lá, no maior albergue onde fiquei e que estava com lotação esgotada: 75 pessoas. Fui ter com ele. Não me fez nenhuma sessão de osteopatia porque, segundo ele: “osteopatia estala o corpo, ao estalar desbloqueamos o corpo. Tu vens numa caminhada e o teu corpo vem a desbloquear. Vou fazer-te uma sessão de shiatsu.”
Obrigada João! O donativo que te deixei nunca vai ser suficiente para te pagar a melhor noite de descanso que tive, apesar de me teres respondido: “É o que é.”. Talvez tenha sido abençoada por uma imagem de Nossa Senhora de Fátima que encontrei na capela de Santa Marta de Bértola.
P. S.: saí de Arcade a chover como nunca.

Etapa 3: Arcade – Pontevedra 11 kms
A etapa mais pequena.
Etapa 4: Pontevedra – Caldas de Reis 24,48 kms

Acho que não me vou alongar muito. Já alguém disse: “uma imagem vale mais do que 1000 palavras.“.
Encontrei este menu enquanto ía a caminho de Caldas de Reis. Sabem aquele casal da terra que tem uma vinha e faz vinho daquele que nos deixa os dentes pintados e que se bebe o vinho em malgas?! Foi lá. Têm o sítio transformado numa tasca onde servem refeições caseiras aos peregrinos de Santiago. Batata, feijão, couve, ervilhas, alho francês, cenoura, massinhas e, julgo, um bocadinho de caril. Estava deliciosa

Encontrei este menu enquanto ía a caminho de Caldas de Reis.
Etapa 5: Caldas de Reis – Cruces 26,61 kms

Arrisco a piada e, “cruzes canhoto”. 
Chuva, chuva e mais chuva e fiz quase 30 kilómetros?
Foram 7 horas sempre debaixo de chuva.
Ah, que maravilha! Ah, que alegria!
Se eu vos disser que foi o dia em que me estava a sentir melhor e o dia em que a minha mochila me abraçou, literalmente, conseguem acreditar?
Fiz muitas coisas só com uma mão. Conseguem imaginar as lições deste dia?

Etapa 5: Caldas de Reis – Cruces 26,61 kms
Foram 7 horas sempre debaixo de chuva. 
Etapa 6: Cruces – Santiago de Compostela 20 kms

Comecei o dia a entregar um abraço de bom dia com uma fotografia.
Tinha à minha frente a última etapa: “La magia del camino 2019“, a chegada e o kilómetro zero.

 A última etapa: “La magia del camino 2019.”

Não existe melhor ou pior época para fazer o Caminho de Santiago ou qualquer outra peregrinação!
O que existe é um caminho para se fazer.
Acabaste de “ouvir” a minha história e, com certeza, já ouviste outras tantas, mas se fizeres a tua terás a tua história para contar.

Ao fim de cada dia e de cada mini sorriso correspondido, uma mini vitória que coleccionei.
E todas as vezes que ouvi “buen camino” fez-me acreditar que caminhar mais é sempre possível. 
Obrigada aos meus companheiros desta peregrinação.

 Todas as vezes que ouvi “buen camino” fez-me acreditar que caminhar mais é sempre possível.

Desejando que o vosso caminho deste ano novo que se aproxima seja correspondido também por sorrisos e por todos os desejos que ambicionam, tenham um bom ano 2020

#acreditar 

Sofia,
Treze | Adereços Religiosos


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